domingo, 28 de março de 2010

Capítulo 16

O desânimo me pegou ao olhar para a portaria principal do prédio do Fórum. Uma enorme fila de pessoas comuns, advogados, policiais estava aguardando a abertura da porta para não sei o que. Pelos olhares deles, não parecia coisa boa, todos estavam carrancudos, desconfiados e vingativos.

Olhando meu relógio, ainda tinha mais vinte minutos antes de iniciar o meu expediente, então, fui à banca de jornal como sempre fazia, e ao olhar à vitrine, fiquei sobremaneira perturbado. As capas das revistas masculinas mostravam mulheres totalmente nuas exibindo suas partes íntimas sem nenhum pudor.

Desviei logo meus olhos dessas abominações. Era só isso que se vendia nas bancas de jornais, mas antes de ontem não era assim. A pior coisa foi que havia também mais revistas dedicadas aos homossexuais, e em uma delas, que mostravam dois homens nus, abraçados amorosamente, dizia em letras garrafais: "Vencemos a guerra contra a intolerância homofóbica". Não acho que eles tenham vencidos, pelo contrário, perderam a grande oportunidade de suas vidas que é a de conhecer a verdade em Jesus. Por isso o inferno tem a boca mais larga.

Fui à seção de jornais e revistas de notícias. Olhei atentamente as manchetes e não pude conter-me de tristeza. Li algumas delas:

"TERREMOTO DE MAGNITUDE 10 GRAUS NA ESCALA RICHTER ARRASA A ARGENTINA, URUGUAI E O SUL DO BRASIL."

"ENCHENTES ARRASADORAS NOS ESTADOS UNIDOS CAUSAM DESTRUIÇÃO EM TODO O SUL DO PAÍS"

"GUERRA IMINENTE NO ORINETE MÉDIO: ÁRABES CONTRA ISRAEL"

"UMA DOENÇA DESCONHECIDA SURGE NA CHINA E MATA PELO MENOS 50% DA POPULAÇÃO E AMEAÇA SE ESPALHAR POR TODO O MUNDO"

"ASSASSINOS, LADRÕES E ESTUPRADORES ESCAPAM DE PRESÍDIO EM SÃO PAULO. FORAM FACILITADOS PELOS AGENTES"

"O TRÁFICO DE DROGAS E ARMAS DOMINA A CIDADE DO RIO DE JANEIRO: CINCO MIL MORTOS"

É o fim, está chegando o fim, eu pensei. Quis saber a opinião do dono da banca sobre as notícias e ele me disse:

-- É normal. Deus não existe, por isso essas coisas acontecem.

-- Mas ontem não estava assim.

-- Aquilo foi um boato, uma voz que a gente imagina falar conosco, mas não passa do nosso subconsciente, como disse a psicóloga ali naquela revista.

Ele me apontou a revista de grande circulação, e mostrava a foto de uma psicóloga. Peguei-a e ele me disse que podia levar para que eu lesse e acreditasse por mim mesmo. Disse a ele que só ia ler matéria dela e devolveria ali mesmo.

Sentei-me na beirada da banca, e li o que podia me interessar:

"Deus não existe". -- dizia a matéria da psicóloga. "O que realmente existe é o nosso subconsciente que nos prega peças. O nosso 'eu' interior que às vezes está cansado e nos diz para parar com certas coisas. Foi um fenômeno mundial em que todos os 'eus' de todas as pessoas do mundo resolveram falar ao mesmo tempo. E depois de um dia, voltaram a ser os mesmos 'eus' estressados. Por isso acontecem todas estas coisas que nos machucam, nos entristecem. Se Deus existisse, isso não estaria assim."

Discordo dela, Deus existe sim e acredito que ele ainda esteja no controle da situação. Não tinha mais paciência para ler as baboseiras que essa doida escreve. Logo ela mesma estará diante da face daquele que ela tanto blasfema. Devolvi a revista e comprei o jornal de maior circulação e voltei à porta do Fórum.

A fila aumentou demais. Agora dobra o quarteirão, vai além da esquina e perde de vista. Entro pela porta sob olhares furiosos das pessoas, então, coloco o crachá, mas não resolveu. Dou um bom dia aos colegas que trabalham na entrada, mas ninguém me cumprimenta, nem os porteiros do Fórum, nem a recepção. Todos estão tão carrancudos que não percebem a presença de outra pessoa ao seu lado.

Só lá dentro do cartório onde trabalho saberei o que teria acontecido da noite para o dia, através das conversas e dos novos processos.

Dou um bom dia aos colegas, pelo menos responderam, mas sem me olhar. O chefe deixou um bilhete sobre minha mesa que dizia:

"A partir de agora, nunca mais fale de Jesus para ninguém, nem diga este nome quando entramos nem quando saímos. Jesus é uma farsa. Isso não é um pedido, é uma ordem".

Que triste. Olhei para a parede nos fundos onde antes tinha um crucifixo com um homem pendurado nele. Foi tirado, pouco me importava se fora retirado, pois para mim, Jesus não está mais na cruz, muito menos num crucifixozinho empoeirado. Jesus está assentado no trono, assistindo desde os céus o homem cumprindo a profecia feita milhares de anos atrás, que dizia:

"E o SENHOR sentiu o suave cheiro, e o SENHOR disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz. Enquanto a terra durar, sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão"(Gênesis 8:21-22).

Isso significa que Deus não vai mais destruir a terra, porque o próprio homem se encarregaria de fazer isso, já que a nossa imaginação é tão má e egoísta. Deus está deixando a terra seguir o seu curso, pois ele já sabe o que pretende fazer.

Começo a trabalhar, os processos são os mesmos de ontem, mas agora as petições são outras. Os credores se arrependeram de ter perdoado as dívidas, os devedores se arrependeram de fazerem acordos e deixaram de pagar e tudo recomeça no mesmo ponto onde tinham parado.

Há muita barulheira lá fora. Muitos querem ser atendidos a qualquer custo. Não se respeitam mais a prioridade dada aos idosos, aos deficientes e às gestantes. A palavra "respeito" desapareceu como que por mágica.

Estou com muito processos sobre a mesa. Todos os acordos que as partes fizeram foram cancelados. Todos os perdões de dívidas foram esquecidos e retomadas as cobranças. Os estagiários não estão gostando de atender advogados sem educação, fazendo com que eles respondam também sem educação.

O calor que senti lá fora também estou sentindo dentro do Cartório. Não nos foi permitido ligar o ventilador por ordem da diretoria, sob alegação de que precisamos economizar energia elétrica, que se tornou tão escassa da noite para o dia. Olhei para a água do bebedouro, estava borbulhando por causa do calor e ninguém se importava com isso. Não tive coragem de beber aquela água quente.

Tomei um pouco de coragem e fui correndo à cantina, mas lá não tinha água para beber. Voltei ao trabalho mais cansado e com mais sede do que quando cheguei. Qualquer hora dessa vou desmaiar.

"Senhor Deus, cuida de mim!" -- Orei no meu coração, com a certeza de que Deus me ouviu. Continuei trabalhando, fazendo o trabalho do meu jeito, evitando olhar para o pessoal, mas estava me sentindo com muita pena deles. Eles se esqueceram de Deus, ouviram uma voz negando toda a santidade de Deus, sua bondade e seu amor para conosco que o expulsaram de seus corações.

Onde estariam os "sete mil"? Será que ainda vou vê-los? Sobrou algum crente em Jesus neste fórum, na cidade, além de mim e a Fefa? Quando eu voltar para casa, se conseguir voltar, farei uma pesquisa na internet para ver se ainda estão se reunindo naquele grupo virtual.

Sei que Deus sempre guardou um remanescente quando saia do meio do povo para que este se autodestruisse. Deve estar espalhado pelo mundo. Já sei onde se localiza pelo menos um, minha Fefa. Ela me mandou um torpedo dizendo que os pastores estão ordenando que seus fiéis destruíssem suas Bíblias, que as queimassem porque Deus não desejaria que seus filhos sofressem doenças, misérias e nem perseguições. Os pastores diziam que as Bíblias estavam erradas e que um dos profetas teve a revelação da verdadeira bíblia e vai distribuir ao povo, mediante o pagamento de uma oferta de mil reais, que segundo eles, serviria para "cobrir as despesas e para sustentar a obra de Deus".

Só podia ser um falso profeta. Sei que deus é esse, eu o conheço e tem afastado muitas igrejas do verdadeiro Deus. Mamon está sendo adorado por esses pastores moderninhos e apóstolos auto ungidos. Por isso que querem aquela oferta exorbitante por uma bíblia falsa, impressa segundo a sua própria interpretação.

Estou com a garganta seca, suando pelas costas, mas não é só eu, todos também estão, interromperam o trabalho para abanar-se, para conversar sobre o dia ou fazer fofocas sobre o capítulo da novela desta noite.

Meu Deus, que será que vai passar na televisão hoje à noite? Fiquei curioso, queria pegar o jornal para ver se tem alguma coisa, mas não poderia fazer isso diante dos olhares dos advogados. Eles já estão mais furiosos por causa dos seus próprios problemas.

Descobri que a ordem de economizar energia partiu do Presidente da República. Por causa da escassez de recursos, das guerras iminentes, dos terremotos e das doenças desconhecidas que surgiram hoje, devemos fazer o máximo possível para economizar energia, evitando ligar aparelhos que não tenham relação com o trabalho que estamos fazendo, nem mesmo o bebedouro de água podíamos ligar. Desse jeito, vamos todos morrer.

Não vi a hora passar. Estava no meu horário de almoço. Corri para o restaurante, lá pelo menos podia beber uma garrafinha de água. Estava fria, mas serviu para matar a sede. comi uma salada de várias verduras e legumes, evitei comida quente e carne. Estava satisfeito, só queria mesmo me refrescar.

Fui ler o jornal num canto afastado dos olhares das pessoas. Um cantinho embaixo de árvores, para pegar uma sombra. Mas o lugar estava muito sujo, não havia outro melhor, só queria sossego.

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